sábado, 28 de janeiro de 2017

Bolha de Vidro

Existe uma metáfora que eu usava muito para definir minha vida enquanto minha mãe estava viva: eu vivia em uma bolha de vidro. Muitas pessoas, dentro de uma bolha de vidro, se desesperariam e tentariam sair dela a todo custo. Outras ainda poderiam viver ali dentro sem relutar muito. Eu me encaixo no segundo tipo. Por mais que houvessem momentos em que eu queria sair da minha bolha eu era feliz dentro dela. Tão feliz que, como brinco quando converso com a Lucimar, peguei latas de tinta e pintei o interior da minha bolha, de forma que tudo que eu via era meu mundinho colorido. Dentro da bolha.
A vida veio e deu um peteleco nessa bolha. Ela rachou, mas não foi o suficiente para quebrar, e eu que lá dentro estava nem percebi o rachado. Até que a vida estilhaçou minha bolha. Não foi algo que me assustou, muito pelo contrário. Podemos dizer que, ao invés disso, peguei o pouco que me restava das minhas latas de tinta e saí colorindo o mundo ao meu redor. É o que eu sei fazer.
Para aqueles que têm dificuldades de entender metáforas, deixem eu explicar que minha bolha de vidro era minha vida dentro de casa. Existia vida fora da bolha, mas estar dentro da bolha era confortável ao ponto de eu não precisar sair dela. Ela me bastava. A rachadura nessa bolha foi o momento em que estar em casa apenas não bastava e confesso, demorou para esse momento chegar. Problema é que mesmo havendo a necessidade de sair da bolha a pessoa dentro desta bolha permanecia inerte. Eu estava feliz com as coisas como estavam. Chamamos isso de Status Quo.
A bolha se estilhaçar, ao contrário do que muitos podem estar pensando, foi o momento em que eu comecei a trabalhar. Independência, rotina, tudo faz uma diferença enorme na vida de uma pessoa que antes vivia enclausurada dentro de uma bolha. E minhas tintas eram a forma com que eu tentava trazer alegria para as pessoas ao meu redor, pois acredito que uma das minhas características é essa, a de fazer com que as pessoas ao meu redor se alegrem. Não que funcione com todas, mas é o que tento fazer na medida do possível.

A bolha estilhaçar só significou uma coisa, de fato: eu sobrevivi. Quando minha mãe morreu eu não chorei tanto quanto todas as pessoas ao meu redor esperavam. "Você é forte" eles diziam. Mas a realidade no "mundo bolha" é que, se eu ainda estivesse dentro dela, eu teria me afogado em minhas próprias lágrimas. Perceber q ela morreu e q eu estava lá fora, livre, me deu um sentimento muito grande de culpa. "Será que ela morreu por perceber que eu podia me virar sozinha?" foi um pensamento que passou pela minha cabeça várias e várias vezes. Eu sei que não foi isso, mas a culpa permaneceu. Em minha última consulta, falei do filme do monstro para minha psicóloga e como, quando minha mãe morreu, não tive um monstro ao meu lado. Ela me disse que o monstro era, para o menino, uma força de dentro dele mesmo que o ajudou a passar por aquele momento de dificuldade. A diferença entre nós, eu e o menino, é que ele passou por aquele momento com agressividade, o "monstro" interior dele era agressivo e descontou a angústia na realidade, por mais que tudo que ele passasse quando falava com o monstro fosse uma ilusão. Eu, ao contrário, passei por aquele momento sendo forte. Meu monstro não estava do meu lado naquele momento sendo agressivo mas sim sendo forte, me segurando. Em algum momento meu monstro vai precisar ser agressivo? Espero que não. Apesar de já estar vendo alguns sinais de agressividade em minha pessoa, por diversos motivos. Mas isso não importa de forma alguma. É minha vida e vou segurá-la com ambas as mãos. Com monstro ou sem monstro, com tintas ou sem tintas, com ou sem cacos de vidro espalhados pelo chão, com ou sem lágrimas escorrendo pelo meu rosto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário