terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Capítulo 4 - Feridas que não Cicatrizam

Capítulo 4 - Feridas que não Cicatrizam

A vida nas ilhas era tranquila e pacata. Com o passar do tempo mais pessoas vinham visitar a igreja e Alisa não se sentia tão só. Até os garotos que frequentavam a igreja eram gentis e isso fazia com que Alisa lentamente se sentisse curada de seus traumas amorosos, apesar de não conversar muito com eles. Havia um no entanto que conseguia fazer com que ela se abrisse facilmente.
"Alisa, você é muito bonita pra ser uma freira." ele dizia, fazendo com que ela se sentisse encabulada.
Mark passou a visitá-la diariamente e trazer presentes como flores e produtos que, segundo ele, ele produzia em sua própria fazenda.
"Você tem que me dizer o que é que você mais gosta de comer Alisa," ele pedia. "Não sou o melhor dos cozinheiros mas se me disser, eu posso preparar pra você."
Alisa apenas sorria, sentindo seu coração acelerar um pouco.

"Mark?" A garota loira falou, dando uma risada maliciosa. "Eu o conheço bem. Aqui, olhe," ela disse, totalmente radiante, mostrando para Alisa um prato de curry arco-íris. "Ele me perguntou qual era minha comida favorita. Eu disse que gostava de curry mas não fui muito específica. Toda semana ele me trazia um curry diferente. Essa semana ele finalmente trouxe o meu favorito," ela disse, pegando uma colherada farta e sorrindo ao degustá-la. "Quer um pouco?"
"Não, obrigada," Alisa recusou, educadamente.
A verdade é que Alisa não gostava de curry. E não gostava de saber que Mark estava sendo atencioso com outras pessoas além dela. E decidiu que diria a ele que sua comida favorita era sorvete para ver se o garoto faria o mesmo que fez com a bruxa.
Passou-se uma semana, no entanto, e nada de Mark aparecer. Alisa começou a se sentir impaciente até o dia que Chelsea lhe visitou e lhe contou as novidades.
"Mark parece estar querendo se casar. Tenho visto ele falar com uma porção de garotas e lhes perguntar do que elas mais gostam. Elas também parecem estar ficando bem interessadas nele. Eu sei de pelo menos uma pessoa que ficaria pensativa caso ele a pedisse em casamento."
"Casamento...?" Alisa perguntou, espantada e assustada.
"Sim. Elas moram nas ilhas há bem mais tempo que você, sabe? E também são mais próximas a ele do que você. E não são freiras como você. Acho que isso conta pontos positivos para elas, não?"
Alisa sentiu o chão abrir sob seus pés. E pensou em Mark e em como ele era atencioso com ela.
"Ele não tentaria fazer com que eu me apaixonasse por ele para me fazer sofrer, faria?"

Alisa resolveu ignorar o que Chelsea havia lhe contado até o dia que Julia, a filha da dona da loja de animais, veio visitar a igreja e Mark apareceu no mesmo horário. E observou com dor no coração como o garoto a ignorou por completo para ir falar com a outra garota, inclusive lhe dando um pote de iogurte de presente. Pela reação da outra garota Alisa percebeu que não era um presente qualquer. Pelo menos não para a garota. E foi só quando ele estava de saída que ele acenou para Alisa. Julia o chamou e, após se despedir de Alisa, o seguiu alegremente.
"Provavelmente os dois vão voltar juntos para a outra ilha," ela pensou. E seu coração deu uma pontada.

O inverno chegou e Alisa passou a usar um vestido de lã ao invés de suas habituais roupas de seda e algodão. Foi em um dia de neve que Mark apareceu na igreja que os dois finalmente tiveram uma conversa sobre tudo que estava incomodando Alisa. Ela falou para ele sobre o que Chelsea havia lhe contado sobre as outras garotas, sobre como estava incomodada com o fato de ter sido ignorada no dia que Julia estava na igreja, sobre como sua vida amorosa havia sido até ali e os motivos que lhe fizeram se tornar uma freira.
"E eu acho que estou me apaixonando por você", ela disse no final, olhando para o chão, sem ter coragem de olhá-lo nos olhos.
"Sabe Alisa," ele disse, se esticando no banco e colocando as mãos atras da nuca. "Eu consigo ver a Deusa da Colheita."
Alisa teve vontade de perguntar o que isso tinha a ver com tudo que ela havia lhe contado mas continuou calada. E ele continuou falando.
"Ela não é uma pessoa tão incrível como vc acredita que ela é. Na verdade, ela poderia se passar por uma pessoa normal se... bem, se não morasse numa fonte de água."
"Por que esta me dizendo isso?" Ela perguntou finalmente, sem entender.
"Acho que você escolheu o caminho que queria trilhar. Foi sua escolha se tornar uma freira. E uma freira que serve à Deusa da Colheita, veja bem. Se escolheu esse caminho deve trilhá-lo até o fim. Eu não sou o tipo de homem que você acha que eu sou," ele disse, virando o rosto e olhando para ela.
Por um segundo Alisa sentiu seu coração apertar e seus olhos marejarem, então baixou a cabeça e escondeu o rosto com as mãos, como se isso bastasse para que ele não a visse chorando. Ela esperou secretamente que ele lhe consolasse. que lhe confortasse. Que lhe abraçasse e lhe dissesse que estava tudo bem. Mas ele não fez nada disso.
"Não chore. Me incomoda profundamente ver uma garota chorando."

Aquela tarde, depois que Mark havia partido, o padre Nathan chegou com novidade.
"Parece que vamos nos mudar, Alisa.
"Mudar?" Ela perguntou, tentando esconder sua surpresa.
"Seus olhos estão inchados," o padre percebeu, se aproximando da garota para examiná-la. "Você esta bem?" Ele perguntou, consternado.
"Sim, estou," ela mentiu. "Como assim, mudar?" Ela perguntou.
"Parece que nosso trabalho aqui foi dado como concluído, Vão mandar outro sacerdote para cuidar da igreja. E nós estamos sendo realocados.
Alisa esperou que o padre tivesse terminado todas suas tarefas e correu para visitar a bruxa. Assim como o padre a garota percebeu os olhos inchados de Alisa mas, diferentemente do padre, ela não deixou passar.
"Normalmente ver olhos inchados me dá um prazer imenso mas," ela parou da falar por um instante, como se procurasse as palavras certas. "Em você me da nos nervos. O que aconteceu?"
Alisa se permitiu chorar novamente enquanto contava à bruxa tudo que havia acontecido até então.
"É um pouco de culpa sua também, sabe?" Ela disse, com um pequeno sorriso nos lábios. "Mark é esse tipo de pessoa, que é bom com todo mundo, tenta agradar todo mundo e, no fim das contas, quando alguém se apaixona por ele, ele as culpa por terem entendido mal."
Ao ouvir a bruxa falando Alisa se pegou pensando se a própria bruxa havia sido alguém que também se sentiu enganada por Mark. Mas não quis entrar no assunto.
"Eu acho que realmente deveria tomar seu curação, sabe?" A bruxa falou, num tom de piada.
No entanto, Alisa viu ali a solução para boa parte de seus problemas.
"Você poderia?"
O sorriso no rosto da bruxa sumiu instantaneamente após a pergunta e sua feição mudou para uma careta.
"Você sabe que eu não poderia fazer nada disso," ela respondeu com uma cara amarga, como se estivesse perdendo algo. "Mas posso te ajudar a não sofrer mais. Eu adoraria ver sua cara de sofredora, mas vou quebrar seu galho," ela disse com um sorriso que, para Alisa, parecia triste. Era a primeira vez que ela via aquele tipo de feição no rosto da bruxa. "Você quer? Se aceitar, não tem mais volta."
"Quero," respondeu Alisa, decidida. "Nada pode ser pior do que o que estou sentindo agora.

"Ok," a bruxa consentiu. E enquanto murmurava palavras indefiníveis, Alisa sentiu seus olhos pesarem até que perdeu a consciência.

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