sábado, 10 de janeiro de 2015

Capítulo 2 - Flores Silvestres

Capítulo 2 - Flores Silvestres

Quando você é criança e assiste filmes como Mudança de Hábito ou Noviça Rebelde você pode, inconscientemente, ficar com a impressão errada. Alisa foi uma dessas pessoas que foi enganada por como conventos são retratados em filmes.
"Por que quer se juntar a esse convento?" A madre superiora perguntou após ler a ficha que Alisa preencheu para se tornar uma noviça.
"Quero servir à Deusa da Colheita," foi o que ela respondeu de imediato.
Alisa havia lido e relido as questões da ficha e praticamente decorou as respostas que devia dar para que conseguisse entrar no convento. Foi ai que seu primeiro erro começou.
"Não quero uma resposta tão simples. O que te aconteceu que te fez vir até nós de forma tão desesperada?"
"Desesperada?"
Alisa ficou confusa ao ouvir tal palavra. Ela parecia mesmo estar tão desesperada? O motivo principal que fez com que Alisa quisesse entrar no convento era para se isolar e ficar longe dos homens. Isso era tudo que ela queria.
"Mas provavelmente a madre vai me recusar se eu der uma resposta dessas, não vai?" Ela pensou.
A madre cruzou as mãos sobre a mesa e apenas observou, fazendo esforço para não rir de vez em quando em reação às caretas que Alisa fazia enquanto debatia consigo mesma a possibilidade de contar à madre toda sua triste (e curta) vida amorosa. Decidiu por não fazê-lo e finalmente encarou-a.
"O mundo é um lugar hostil, madre," ela começou. "Descobri a crueldade em lugares que não imaginava que poderia. Quero me tornar uma noviça para poder trazer conforto aos que dele necessitam."
A madre ergueu a sobrancelha. A garota havia feito tanto esforço e acabou respondendo com uma resposta tão genérica que fez com que a madre quisesse saber mais. Mas percebeu que não devia pressionar a garota mais do que aquilo.
"Quando ela estiver pronta, ela mesma me contará," pensou a madre, e continuou com o questionário.

Era primavera e as irmãs dividiam as funções de acordo com patentes invisíveis que faziam sentido conforme eram observadas. As irmãs que já eram consideradas idosas davam conta dos trabalhos de caridade, pois a maioria das pessoas da cidade reagia melhor ao serem abordados por velhinhas. Ja as outras se dividiam nos outros dois setores do convento: produção e distribuição. Alisa não queria lidar com o publico então se voluntariou para a parte de produção, sendo enviada para o pomar. Lá ela não pode deixar de sentir falta de uma coisa.
"Por que não plantamos flores?" Alisa perguntou para uma das irmãs mais velhas, responsável pela parte onde ela estava.
"Flores não podem ser usadas como alimento, podem?" Ela respondeu num tom de voz doce mas irritado. "Nós estamos aqui para cultivar o alimento, é para isso que esse pomar serve. Esqueça as flores, elas não têm lugar aqui," ela disse, virando as costas e dando a conversa por encerrada.
Alisa se sentiu sem reação e resolveu fazer o que a irmã havia instruído, voltando ao trabalho. Foi quando percebeu pequenas flores silvestres crescendo perto das raízes de uma das árvores. Com medo de que uma das irmãs as arrancasse sem dó nem piedade Alisa cavucou o chão ao redor delas, removendo-as cuidadosamente e imaginando onde poderia escondê-las até que o serviço estivesse terminado. Não demorou muito até que tivesse a ideia de escondê-las junto de uns arbustos frutíferos.
"Vocês estarão seguras aqui. Esperem que vou cuidar de vocês."
E quando os trabalhos no pomar estavam terminados, Alisa deu uma desculpa de que tinha esquecido algumas ferramentas e que voltaria para buscá-las. Nenhuma irmã suspeitou, e isso foi o bastante. Alisa não tinha muito tempo então usou toda a determinação que tinha para correr até um dos extremos do pomar, plantando as flores distantes o suficiente para que não corressem risco de serem arrancadas pelas outras irmãs.
"Se tiver sorte, posso acabar achando mais delas por aí."

Conforme a estação ia passando as irmãs que trabalhavam com Alisa perceberam que alguma coisa estava acontecendo. Alisa sempre dava alguma desculpa para ficar até mais tarde no pomar e,, conforme o tempo passava, ela demorava mais e mais para voltar.
"Ela deve estar se encontrando com alguém, madre. Devemos fazer uma armadilha e apanhá-la em flagrante."
A madre duvidava que aquilo fosse verdade mas acabou cedendo aos apelos das irmãs. Algo estava acontecendo e isso era um fato, só restava saber o que era. E assim, num belo dia de sol, as irmãs se afastaram de Alisa como sempre faziam quando ela avisava que havia algo que esquecera, apenas esperando o tempo certo parta segui-la de longe. Não souberam, no entanto, o que fazer quando repararam que havia um pequeno jardim cheio de flores silvestres bem ao lado do pomar.
"Eu te disse que não plantamos flores, não disse?" a irmã responsável a reprimiu.
"Mas nós servimos à Deusa da Colheita, não?" Alisa perguntou após reunir toda sua coragem. "Flores também são uma obra dela, não são?"
Alisa se ajoelhou no chão e fez posição de prece, pedindo para que alguém intervisse por suas flores. lágrimas rolando pelo seu rosto. Foi quando ela ouviu aquela voz tão distante mas tão conhecida que lhe encheu de esperança.
"Ja chega."
Era a voz da madre. As irmãs abriram espaço para que ela passasse e a irmã responsável forçou Alisa a se levantar e secou ruidosamente as lágrimas do rosto da jovem.
"De onde arrumou todas essas flores, Alisa?" A madre perguntou.
"São flores silvestres, madre," Alisa começou, fungando. "Elas estavam nascendo espalhadas pelas raízes das árvores. Imaginei que as irmãs responsáveis pela poda simplesmente as tratassem como ervas daninhas e as arrancassem. Fiquei com dó e fui trazendo elas de pouco em pouco para cá. Agora tenho um pequeno jardim cheio delas. São seres vivos também, madre. Por favor," ela soluçou, "não permita que o destruam."
Pousando a mão sobre o ombro de Alisa a madre silenciosamente a guiou de volta ao convento, para onde as outras freiras também seguiram.
"Quero falar só com essa jovem," a madre instruiu para as irmãs responsáveis. "Façam com que as outras jantem e façam suas orações."

"Você gosta tanto assim de flores Alisa?" A madre perguntou.
A jovem estava envergonhada e com medo, logo só acenou um sim com a cabeça.
"Você tem muito amor dentro de seu coração, Alisa," A madre começou, percebendo que Alisa havia se mexido na cadeira onde estava sentada à menção da palavra amor. Então prosseguiu. "Se importou tanto em salvar aquelas pequeninas flores, sem esperar ajuda ou reconhecimento de ninguém. É uma atitude nobre. Mas mostra que você não consegue fugir dos seus sentimentos."
"Que sentimentos?" A garota perguntou, eufórica.
"Os sentimentos de carinho e amor."
"Mas posso suprimi-los, se assim for preciso," Alisa respondeu de imediato, pensando mais nas experiências amorosas que tivera do que nas pequenas flores que salvara. A Madre percebeu isso.
"Você não poderia servir à igreja com esses propósitos," a madre replicou.
Alisa se viu perdida e desolada. Nesse momento as flores fugiram de sua mente. Tudo que sentia era o aperto em seu peito.
"Vou te mandar para outro lugar," a madre começou depois de uma pausa. "Existe um de nossos padres que esta viajando para levar os ensinamentos da Deusa à outras terras. Tenho certeza que você se sairia melhor estando com ele."
"Mas e minhas flores?" Alisa perguntou, não pensando realmente nas flores mas no medo que sentia de abandonar tudo que lhe era conhecido.
"Não se preocupe," a madre disse, acariciando a farta cabeleira vermelha de Alisa. "Eu mesma me certificarei de que sejam bem cuidadas. E te mandarei fotos todos os meses, para que veja como elas estão ficando."
Alisa sorriu mas seu sorriso era triste. E apesar de não terem trocado mais uma palavra sequer, Alisa sentiu que a madre era a pessoa que mais lhe entendia, mesmo que ela nunca lhe dissesse nada.

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