domingo, 18 de janeiro de 2015

Capítulo 3 - Amizades Inusitadas

Capítulo 3 - Amizades Inusitadas

O primeiro passo antes de se mudar foi conhecer o Padre Nathan. Ele era um homem de meia idade que gostava de coisas simples. Isso fazia com que a convivência entre eles fosse boa.
"Essa é a garota de que lhe falei padre," a madre a apresentou ao sacerdote.
"Ora, ora. Muito prazer. Seu nome é Alisa, não é? A madre me contou um pouco sobre você. Espero que possamos nos dar bem," ele disse com um sorriso de orelha a orelha.
Na época Alisa ainda estava relutante de deixar o convento, ainda mais para voltar a conviver com um homem. No entanto o padre não representava nenhum risco, o que lhe ajudou a relaxar bastante em sua presença. No principio eles viajavam de cidade em cidade, de povoado em povoado, pregando a palavra da Deusa. Até que um dia um mensageiro veio ao seu encontro.
"Tenho noticias importantes," ele anunciou, entregando um envelope ao padre.
"Muito obrigado meu rapaz. Que a Deusa lhe abençoe," ele abençoou o rapaz antes que ele se fosse.
Alisa observou enquanto o padre abria a carta e a lia, pausadamente, às vezes passando a mão por sua cabeleira loura. Quando ele terminou de ler Alisa se questionou se devia perguntar algo. Não foi preciso.
"Tenho boas e más noticias, Alisa."
"O que dizia a carta, padre?"
"Parece que teremos que nos estabelecer em uma ilha por um tempo. Não sei por quanto tempo, mas devemos partir hoje mesmo."
"E essas são as boas ou as más notícias?" Ela perguntou, curiosa.
"Ambas."

Alisa não sabia, mas o padre Nathan era um homem que preferia viver livremente, pregando onde seu coração lhe guiava. Ter que se acomodar em uma ilha não lhe parecia uma ideia tão boa, no entanto eram ordens superiores direcionadas especificamente para ele. Não havia como recusar. E ele sabia um pouco sobre os traumas de Alisa. A madre havia lhe contado como a garota era arisca perto de homens, mesmo que estes homens fossem homens que serviam a Deusa. Ele não lhe perguntava e ela não lhe contava, no entanto estavam felizes com o status quo. Agora no entanto ele não sabia o que esperar. Foram dois dias de viagem até que chegassem à cidade portuária mais próxima e conseguissem tomar a embarcação que lhes levaria para a tal ilha. E o pobre padre rezou durante toda a viagem.
Alisa no entanto não havia percebido ainda os riscos de voltar a se fixar em um único lugar. Não pensava nos rapazes que poderia encontrar, nem nos problemas que poderia ter. Para ela a viagem parecia algo bom. E era com esses bons pensamentos que ela rumava em direção ao desconhecido.

A ilha em questão não era muito grande e a igreja onde eles supostamente viveriam não era nem metade do tamanho da que existia no convento em que ela fizera seus votos. No entanto tinha uma aura acolhedora e isso lhe pareceu bastar.
"Poderia procurar por galhos secos para que possamos preparar uma refeição, Alisa? Acho que seria mais do que merecido depois da nossa longa viagem," ele sugeriu.
A garota concordou e sem mais demoras saiu pelas portas principais e olhou à sua volta. Já era de tarde, o sol começava a se pôr e a paisagem ao redor da igreja era de tirar o folego. Já era outono, então o contraste dos raios do sol nas árvores fazia com que o cenário tivesse uma cor muito semelhante a de seus cabelos. Ela sorriu e começou a caminhar ao redor da igreja, procurando por gravetos secos. Foi quando ela se deparou com uma fonte de águas cristalinas próxima à igreja. E pensou se o padre também precisaria de água.
"Não é como se eu tivesse algo para pegar água agora de qualquer forma," ela pensou.
Abandonando as águas cristalinas e dando a volta por trás da igreja ela viu uma ponte e, compelida por sua curiosidade, resolveu explorar.
"Se tivermos que viver por aqui por muito tempo seria bom conhecer os arredores o máximo possível," ela exultou.
Não demorou muito até que ouvisse uma risada estridente e maliciosa.
"Ora ora, temos um rosto novo por aqui," uma voz feminina que vinha de trás dela disse.
Alisa se virou rapidamente mas não viu ninguém. Pendendo a cabeça para o lado e pensando se estava imaginando coisas ela ouviu o riso novamente.
"Você parece confusa. Que houve? Não acredita em bruxas?"
Alisa sentiu um calafrio atravessar sua espinha e resolveu que era hora de voltar. Mas não sem antes lançar um ultimo olhar para o lugar de onde a risada parecia vir. Ainda assim, ela não via nada.

"Você demorou. Estava começando a ficar preocupado," Nathan disse enquanto acendia o fogo.
"Me desculpe. Tive a impressão de ter ouvido uma voz," ela disse, um pouco envergonhada. E se tudo aquilo não passasse de sua imaginação?
No entanto o padre pareceu se animar e começou a lhe perguntar como era a voz e onde a havia escutado.
"Atravessando a ponte," ela disse. "Tem uma ilha vizinha à nossa, conectada por uma ponte. Foi lá que ouvi a voz."
O padre pareceu intrigado e murmurou algo de que Alisa só entendeu "a fonte". Tanto o padre quanto alisa deixaram o assunto de lado para focarem no preparo da refeição e, depois que estavam satisfeitos, se concentraram em limpar o lugar.
"Estive pensando em mandar fazerem uma estatua da Deusa para colocar atrás do altar. O que acha?" Ele perguntou.
"Acho que seria bom, afinal, queremos que as pessoas conheçam à doutrina Dela, não é?"
"Sim, sim. Falarei com a pessoa responsável amanhã pela manhã," ele se decidiu.

Nathan convidou Alisa para ir junto às outras ilhas para que se apresentassem mas ela preferiu ficar e limpar a igreja.
"Se alguém aparecer seria triste que encontrasse o lugar abandonado e todo sujo como está. Prometo que me esforçarei bastante!" Ela disse, com um sorriso.
"Conto com você então. Estou de saída," ele se despediu.
Alisa passou boa parte da manhã limpando o chão e tirando o pó dos instrumentos utilizados nas missas. Era hora do almoço quando ela parou para se alimentar. E enquanto comia se pegou pensando na ilha ao lado.
"Acho que tenho um tempinho de sobra, posso ir la novamente."
E foi o que ela fez. Saiu decidida a ouvir a voz novamente. No entanto, dessa vez, por mais que rondasse a ilha não ouvia som algum.
"Ela tinha mencionado a palavra bruxa, mas..."
Alisa não acreditava em coisas sobrenaturais. Quando lhe diziam que a Deusa era também algo sobrenatural ela logo argumentava que não, que ela era uma divindade, enquanto coisas sobrenaturais eram apenas frutos da imaginação.
"Talvez eu estivesse muito cansada ontem," ela pensou. Mas quando estava perto da ponte ela teve a impressão de ouvir o riso. Abafado, mas ainda assim o mesmo riso. se virou mas, novamente, não viu nada. E desistiu de sua busca para voltar às tarefas de limpeza e manutenção da igreja.

Os dias passavam lentamente na igreja e poucas eram as pessoas que apareciam. Alisa descobriu de uma forma interessante que não eram apenas os moradores da ilha que lhe visitariam mas também pessoas de outros cantos do mundo. Supostamente aquele arquipélago estava atraindo bastante atenção, ou era o que diziam os visitantes.
"É muita bondade sua vir nos visitar," Alisa estava agradecendo uma garota que usava uma bandana vermelha sobre sua cabeça e que sempre cheirava a terra ou a algum animal que Alisa ainda não conseguira distinguir. Ela apenas sabia que, definitivamente, não era cheiro de cachorro.
"É um prazer vir te ver Alisa," ela disse com um sorriso. "E eu costumo aproveitar a oportunidade para ver a bruxa. Ela é uma pessoa adoravelmente irritante," ela disse, rindo.
"Bruxa!?" Alisa repetiu, seu tom de voz um pouco mais alto que o de costume, assustando não apenas a garota de bandana mas também a própria Alisa. "Como assim bruxa?" Ela questionou num sussurro, quase inaudível.
"Ela mora na ilha ao lado. Não acredito que esta morando aqui há tanto tempo e ainda não a encontrou? Devo apresentá-las? Apesar de que acho que ela te odiaria, Alisa. Ela nutre um ódio totalmente estranho pela Deusa da Colheita."

Aquela noite Alisa se pegou pensativa. Como poderia haver alguém que odiasse a Deusa? Uma criatura tão boa e tão cheia de amor só poderia ser admirada, não é mesmo? Então se decidiu a mudar a opinião da tal bruxa. Tudo que tinha que fazer era encontrá-la. E era exatamente ai que ela não sabia como agir. Por vários dias Alisa atravessou a ponte e procurou, com esperanças de que a encontrasse. Imaginou que ela poderia ser pequena como um duende mas não obteve sucesso procurando por casas de duendes por ali. Também não ouvia o riso malicioso. Nem a voz estridente. Nada.
"Você tem que acreditar," disse a garota de bandana cujo nome alisa descobrira ser Chelsea. "Se não acreditar em bruxas ela não vai aparecer para você."
"Mas eu não acredito em bruxas!" Alisa protestou.
"Então tente fazer alguma maldade!" Chelsea provocou. "Aposto que você seria incapaz até mesmo de jogar um papel de bala no chão."
Aquelas palavras deixaram Alisa ofendida mas, ao mesmo tempo, lhe abriram uma janela de opções. Ser má não era algo que ela faria deliberadamente mas, se era para encontrar a dona do riso misterioso, ela estava disposta a arriscar. Portanto no dia seguinte Alisa pegou uma embalagem vazia de seu sorvete favorito, pediu perdão à Deusa pelo que estava prestes a fazer, e o jogou no mar.
"Ora, ora. Quem diria que uma garotinha tão correta como você seria capaz de fazer algo tão desagradável. Estou impressionada."
Alisa se virou num supetão e a viu. Uma garota com cabelos louros, olhos vermelhos, roupas roxas e uma capa preta com as pontas desgastadas pelo tempo. Se assustou e agarrou a outra garota ao sentir que ia cair, arremessando a si mesma e a outra nas pequenas ondas que quebravam na praia. Alisa estava pronta para pedir desculpas quando ouviu a outra garota gargalhar.
"Você é interessante, garota. Será que eu devia tomar seu coração?"

Alisa não dormiu aquela noite. Não conseguia esquecer seu encontro com a garota loira que se auto-intitulava bruxa.
"Por que te chamam de bruxa?" Ela havia perguntado.
"Porque é o que eu sou, oras. Faço feitiços e encantamentos como ninguém. Me surpreendi quando descobri que tinha gente vindo para viver na igreja da ilha do lado mas não imaginei que haveria alguém tão interessante assim."
"Interessante?" Alisa perguntou com tom ofendido, pensando que a outra estava debochando dela. "O que tem de tão interessante?"
"Você é uma seguidora da deusa, não é? Supostamente seguidores da Deusa devem seguir a ordem e os bons costumes e nunca fazer nada de errado. Chelsea comentou comigo que você havia me ouvido e que eu devia me mostrar para você, mas como eu poderia se você não acreditava em mim?"
"Mas eu ainda não acredito em bruxas," Alisa protestou.
"Isso é verdade. Mas você acredita na minha existência o bastante para ter cometido algo ruim. Isso bastou para que você pudesse me ver."
Alisa se sentia incomodada mas ao mesmo tempo curiosa. E pensou que com o tempo tentaria descobrir mais da outra garota.

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