sábado, 4 de fevereiro de 2017

Catarse

Quando problemas começam a acontecer eles vêm junto de outros problemas. Isso explica aquele ditado "desgraça pouca é bobagem". Poderia exemplificar aqui dizendo que, às vezes, uma pessoa que confie em você coloca mais peso nas suas costas do que você consegue aguentar, inconscientemente. É o que acontece no meu relacionamento com minha chefe. Ou ex-chefe no caso. Eu e ela brigamos várias vezes, no entanto ela conversa comigo de forma bem sincera, ela se preocupa do jeito estranho dela e, às vezes, me fala de suas vontades ou de como ela fez algo que, na minha opinião, é totalmente errado. Minha psicóloga perguntou certa vez "por que ela te conta essas coisas?" e minha resposta honesta foi "não sei". Aliás, minha psicóloga é a pessoa que tem me dado as respostas que preciso já faz algum tempo. Converso com a Lucimar quando estou triste e com problemas mas minha psicóloga é a pessoa que coloca tudo que eu digo em ordem e me aponta o problema, a solução e me questiona, fazendo com que eu pense, com que eu lembre, com que eu reviva. Em minha última conversa com a Lucimar falei de como sempre imagino o que me contam e como eu achava que isso fosse algo natural da raça humana. Ela me confirmou que não é, o que me faz pensar que sou estranha demais. Deve ser por isso que algumas pessoas têm tanta dificuldade de lidar comigo. Sensibilidade demais? Quem poderia dizer?
Já fazem algumas semanas que ouço conversas entre meu supervisor e o Giorgio. Por várias vezes eu achei que eram apenas simulações inofensivas até o belo dia em que Minas Gerais foi mencionada como opção de estudo. Ele realmente quer ir pra lá. E eu entrei em pânico. Desde que comecei a trabalhar no IBGE já sabia que, em algum momento, ele iria partir. Ano passado, pela primeira vez, eu fui realmente pesquisar quando seria e até pensei em tirar férias na semana em que ele sairia para evitar o chororô, pois sei que choraria mais com a saída dele do que com a de qualquer outra pessoa. Então fui surpreendida com a informação de que ele não vai terminar o contrato e que, sim, vai para Minas estudar. No início da informação eu nem tinha uma data de rompimento, o que fez doer ainda mais. Então quarta-feira, o dia da feijoada, ele foi almoçar comigo e com o Jonas, que também é outro que está saindo antes do contrato vencer. Foi quando eu finalmente tive a coragem pra perguntar quando que ele vai. "No fim do mês". Meu coração sentiu um alívio imediato. "Agora tenho um prazo", pensei. Mas esse alívio foi curto quando ouvi uma conversa entre ele e o meu supervisor sobre ele ir semana que vem. E entrei em pânico novamente.
Tenho várias coisas que queria dizer pra ele, desde perguntas que nunca foram respondidas até situações que nunca foram esclarecidas. Queria poder perguntar "posso te tocar?" e poder segurar o rosto dele entre minhas mãos, mesmo sabendo que se eu fizer isso hoje vou chorar muito. Quero poder passar a mão pelo cabelo dele de novo sem pensar que vou estar incomodando. A verdade é que tudo, tudo que eu quero e penso em fazer, meu próprio cérebro bloqueia. Já brigamos e discutimos tanto por tanta coisa que eu instintivamente me proibi de falar sobre vários assuntos, fazer várias coisas, até mesmo ficar perto dele, pelo simples motivo de acreditar com todas as minhas forças que vou estar "incomodando".
Aqui devo fazer uma pausa e fazer uma menção honrosa. Magliani, minha psicóloga querida, me disse que essa sensação de que sempre vou incomodar está muito enraizada em mim e que está me fazendo muito mal, logo temos que trabalhar isso. Ela perguntou de onde eu consigo lembrar dessa sensação ter vindo e a primeira pessoa que me veio à mente foi minha mãe. Ela sempre foi a pessoa que me podou e eu me esforçava ao máximo para não perder o carinho dela, como se fosse de fato perder esse carinho caso falasse com ela sobre meus problemas. Não sei se iria pois, em vida, não tentei. Vou passar por essa vida sem saber como teria sido se eu de fato falasse pra ela tudo que eu passei e senti. E alguns podem perguntar por que diabos estou falando da minha mãe, sendo que esse post parecia ser sobre o Giorgio. Bem, minha psicóloga apontou duas características muito semelhantes de um e de outro: minha dificuldade de lidar com suas atitudes e dizer para eles o que eu penso e sinto. Ela tem toda razão. E isso me fez pensar que amo minha mãe com tal força destrutiva que procuro os pontos complicados dela em outras pessoas, como se resolver esses problemas com as outras pessoas fosse resolver meus problemas com ela. Bem, temos aqui uma prova de que não. Não resolveu com ela e só me criou os mesmos problemas com ele.
Ontem tivemos uma reunião para a troca de chefe. Não consigo me imaginar chamando o Dag de chefe nem a Nadir de... bem, Nadir. Desde que entrei no IBGE só consigo chamar ela de Nadir quando estamos na rua, na agência sempre foi "chefe". Vou ter que me acostumar com isso. Aproveitei a oportunidade e dei uma sugestão para um novo panfleto para as aberturas de setor e fui elogiada pela sugestão. Isso fez com que eu me sentisse bem a ponto de nem falar sobre as bolinhas do DMC. Sim, elas ainda atrapalham, mas não vamos estragar algo bom que eu fiz com uma reclamação mínima como essa. Além disso, também sabemos que sairemos dali logo em breve. Fomos despejados. Vocês pessoas normais acham que são só moradores que atrasam o aluguel? Pois não, lhes apresento os órgãos públicos tendo os mesmos problemas.
Ontem também foi o dia que supostamente eu e o Jonas poderíamos finalmente beber na adega novamente. Já estava sentindo o gosto do vinho na minha boca quando vimos que o lugar ainda estava fechado. Tristeza, mas tudo bem, ainda tem o bar do Jukebox. Giorgio ia nos encontrar lá depois. E não veio só. Lembro do nome do amigo dele e sei pronunciá-lo mas não sei como se escreve, mas fiquei sabendo que ele é uma mistura de índio com árabe. Mistura intrigante. Ele era uma pessoa super bacana e me senti bem à vontade perto dele, como sempre me sinto perto de todos os amigos que o Giorgio me apresentou até agora. Ele tem bons amigos. Bebemos, conversamos, chorei mais do que devia ouvindo músicas do jukebox, uma vez ouvindo love of my life, apesar de ter me controlado bem, e outra ouvindo por ela, que me lembra minha mãe pois ela ouvia Julio Iglesias. Acompanhei os dois até a casa do Giorgio depois de me despedir do Jonas e, lá, aconteceu o que eles dois chamaram de catarse. Eu nem sabia o que era isso, então fui pesquisar no google. O próprio google me deu uma resposta mas vi que a Wikipedia também tinha uma definição, e achei que a parte que fala da catarse na psicanálise explicou muito bem como eu me sinto depois daquela bomba de sentimentos explodindo pra todos os lados. Resumindo, foi um expurgo de tudo que estava preso e, tendo achado um momento adequado de se libertar, o fez. Tipo uma fuga de presos. Tão perigosa quanto pois eu falei muito e falei de coração, sem saber se aquilo ia doer ou se ia colocar qualquer um de nós três numa situação constrangedora. Agora que penso nisso, foi um pouco egoísta da minha parte, mas acabo não me arrependendo. Esgotei todas as minhas lágrimas e toda a angústia que eu estava sentindo saiu. Até consegui dizer as três frases que Magliani me aconselhou a dizer pra ele antes que ele se vá, de acordo com tudo que eu disse pra ela no meio de toda a angústia que eu estava sentindo em nossa última sessão, "vou sentir sua falta", "espero manter contato" e "espero que seja feliz". Girogio me garante que não vai sumir. Me falou se eu não reparei como de uns tempos pra cá ele tem dado mais abertura pra mim. Sim, eu percebi, mas achei que ele estava com dó por saber que eu vou sofrer com a partida dele. Achei que todas as micagens dele pra me fazer rir são um jeito tipicamente giorgiano de me fazer sentir bem pois não conseguimos conversar, e ele queria me fazer sentir melhor de alguma forma. Ele me ler tão bem, de forma tão exata me assustou desde que o conheci. A preocupação dele é quase como um tesouro pra mim pois são poucas as pessoas que se preocupam. Perder ele faz com que eu me sinta triste, mas como disse pra Magliani quando estive lá, "se me perguntarem 1000 vezes se prefiro ele do meu lado ou que ele esteja longe mas feliz, responderei as 1000 vezes que prefiro que ele esteja feliz". Amo aquela risada, aquele sorriso, e faria tudo que eu pudesse para que ele não perdesse isso. Sempre, desde o episódio do teatro, tenho a impressão que eu só faço mal pra ele. "Me afastar é tudo que posso fazer por você". A verdade é que neste exato momento não sei como as coisas vão ficar de agora pra frente. Garanti pra mim mesma que, quando ele não estiver mais aqui, eu vou estar melhor, pois meu cérebro me garante que longe de mim ele vai ser feliz. Não ter que lidar comigo e com meus sentimentos complicados faz com que as pessoas sejam felizes, eu acho. Vou sentir muita falta dele aqui e mesmo que a gente mantenha contato, vou ter aquele mesmo estranhamento que tenho quando converso com a Lucimar por qualquer instrumento online. Existem pessoas que eu prefiro ver, olhar nos olhos, ver o sorriso. Perguntei pra ele se ele faz alguma ideia de como ele é importante pra mim e a resposta dele foi negativa, o que me surpreendeu um pouco. Ele sabe que gosto dele mas não sabia dessa importância. Acho que mantê-lo afastado foi efetivo então. "Sinto que se esticar meu braço posso tocá-lo, mas não o faço". "Quero falar com ele, mas tenho medo de falar tudo que quero dizer, pois sei que isso vai incomodar". Logo mais ele vai embora e todas as coisas não ditas continuarão não ditas. Não vai adiantar eu esticar meu braço e tentar alcançá-lo, pois ele não vai estar ali. Ainda assim, não consigo me esforçar para estar ao lado dele nesse momento. A sensação de que vou incomodar permanece. E por mais que a Magliani tenha a boa vontade de trabalhar isso, leva um tempo pra fazer efeito. Esse vai, eu sei. Existe uma diferença enorme entre o "estar sozinha" e o "me sentir um incômodo". Pelo menos a leveza da catarse vai me ajudar a seguir em frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário