Não é outono. Mas podia ser!
Senti o vento soprando e fechei os olhos. Logo as folhas estariam trocando suas cores de verde para marrom, se desprenderiam de seus galhos e se jogariam de cabeça em uma aventura sem retorno até o chão. Quanta ciência e filosofia envolvida nesse ato tão simples e singelo? O amadurecimento. Deixar o ninho. Aceleração e gravidade. Espirais. Formas geométricas. Sons. Morrer. O fim.
Abri os olhos e me levantei, pronta para encarar um novo dia. Sai para fora e aproveitei para recolher as folhas no jardim. Minha cachorrinha adorava se jogar nas pilhas de folhas. Eu também. Mas este ano não teria ninguém se jogando nas pilhas. Instintivamente fiz uma pilha maior do que devia, que ficou difícil de ensacar. Pensei em acender uma vela mais tarde. Então senti um pingo. Voltei meus olhos para o céu.
Começava a chover. Baixei os olhos e vi uma das vizinhas correndo para pegar as roupas do varal, enquanto outra gritava para os filhos entrarem, ou iriam se molhar. Abri meus braços e fechei meus olhos. Venha chuva! Me lave! Tire de mim toda essa tristeza! Tire de mim toda essa dor! Minhas lágrimas se misturavam com as gotas que caiam em meu rosto e rolavam caminho abaixo. Tudo, invariavelmente, voltaria para a terra, fossem as folhas, a água, minha cachorrinha ou eu. Do pó viemos, ao pó retornaremos.
Fiquei estática por tanto tempo quanto aguentei. Minhas pernas doíam um pouco e meu corpo começava a ficar gelado quando alguém me enrolou em uma toalha.
-Vamos pra dentro querida, ou vai ficar doente.
Não resisti. Os braços gentis me levaram de volta para dentro e me colocaram sentada em uma poltrona próxima à lareira. O fogo estava aceso. Estiquei minhas mãos em direção a ele. O calor fazia com que tivesse a sensação que podia tocá-lo novamente. E se pudesse me unir àquele fogo? Será que sentiria novamente o calor e a felicidade que sentia quando estava com ele?
-Que está fazendo?
Gentilmente tiraram minha mão do fogo. Encarei minha mão, que começava a ficar fria quando colocaram uma xícara nela. Uma xícara quente.
-Tome um pouco, vai te fazer bem.
Encarei a xícara por alguns instantes e tentei beber. Estava quente, mas não o suficiente para queimar. Era como amor de mãe, quente na medida certa. Não queima ao ponto de te machucar. Não abandona o corpo se este não lhe serve direito. Na medida certa para te acalentar. Era chá. Imaginei que estava tentando me manter calma.
Senti algo felpudo sendo colocado nas minhas costas e me envolvendo. Lembrei dos abraços dele. Uma lágrima começou a rolar em meu rosto. Uma mão gentil afagou minha nuca.
-Quer mais alguma coisa?
Fiz sinal negativo e ouvi seus passos se distanciando de mim. Quis impedir. Tinha sim algo que eu queria. Companhia.
Não me esqueçam! Não me deixem pra trás! Eu estou aqui! Venham me buscar, por favor!
Olhei para fora pela janela. A chuva continuava lá fora. Um vento forte fazia com que o galho de uma das árvores batesse em uma das janelas de um dos quartos do andar de cima. Era assustador. Me encolhi na poltrona e me cobri inteira com o cobertor.
Escuro. Respirei fundo. Percebi que minha respiração estava ofegante. Tentei me acalmar e não consegui. Queria parar. O coração começou a acelerar. Quis gritar, mas minha voz não saia. Abracei os joelhos e chorei. Estava sozinha, mais uma vez. Como todas as vezes. Era o fim de mim. Era o fim de todos nós. Senti meu corpo pesar e deixei que a gravidade o levasse. Não me importava mais.
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