Hoje o dia foi quente do início ao fim, então fica até difícil escrever sobre frio. Mas vamos tentar!
Todo dia, no caminho da faculdade, eu via aquela senhorinha sentada em uma cadeira de balança do lado de fora de sua casa, com um cesto do lado e duas agulhas na mão. Passava todo o dia lá e, de tardinha, uma ou duas horas antes de escurecer, ela recolhia o cesto e voltava para dentro. Uma moça jovem vinha não muito depois e recolhia a cadeira. Achava a garota linda e queria conversar com ela, mas nunca tinha a oportunidade.
Certo dia, sem perceber, fiquei parado olhando por tempo demais e a senhorinha percebeu. Deu um sorriso e acenou com a mão para que eu me aproximasse. Hesitei, mas fui.
-Qual é seu nome, meu jovem.
-Roberto.
-Roberto! Que nome adorável. Está indo para a escola?
Acenei com a cabeça que sim e ela balançou a cabeça, em sinal de aprovação.
-Então vá e estude bem, meu filho.
Pasava o tempo e tinha a impressão que a senhorinha estava ficando mais frágil, mais fraca, quase como se estivesse minguando. Sabia que não era mal cuidada, mas não consegui evitar de me preocupar. Passei a conversar com ela todos os dias na volta da escola e acabei descobrindo que seu nome era Ana e que a jovem que vinha buscar sua cadeira todos os dias era sua neta, que tinha decidido morar com ela para tomar conta dela. Não tive coragem de perguntar o nome, mas ela chegou a inclusive me mostrar um álbum de fotos. Comecei a lhe trazer frutas que dividia com ela. Percebi que não conseguia comer uma maçã inteira então passei a dividir uma maçã ao meio. Já dizia o ditado, "uma maçã ao dia mantém o doutor longe". Mas não foi seu caso. Na troca de estação, soube que foi internada. Era triste passar na frente de sua casa e não ver nem a cadeira, nem o cesto, nem o movimento das agulhas.
Pensei em fazer uma visita no hospital, mas não sabia em qual ela havia sido internada, entao resolvi parar e perguntar. Levei um susto quando fui recebido pela jovem que admirava. Vestia preto e seus olhos tnham olheiras profundas. Era nítido que estivera chorando.
-Com licença, é que gostaria de visitar a dona Ana e queria saber em que hospital está internada.
Os olhos da jovem se encheram de lágrimas e tive que segurá-la para que não caísse no chão. Ela chorou longamente em meus braços; cada soluço era uma pontada em meu peito. Me preparei para o pior.
-Desculpe, mas minha avó faleceu essa semana. O enterro foi na quarta. Se soubesse que eram próximos, teria te avisado.
Senti meu coração se encher de tristeza. Ela me convidou para tomar uma xícara de chá, mas não quis incomodar. Estava na soleira da porta quando ela perguntou meu nome. Quando respondi, seu semblante mudou.
-Um instante!
Ela correu pra dentro e voltou em um instante com um pacote nas mãos.
-Minha avó estava fazendo isso para você. Estava quase pronto quando ela foi internada. Só costurei as partes e fiz o acabamento. Creio que ela gostaria de ter lhe entregue em mãos, mas... Devido às circunstâncias...
Vi que estava sendo um grande esforço para ela me dizer aquilo entã a abracei, peguei o pacote e lhe dei um beijo na testa.
-Muito obrigado. Vou guardar com carinho.
-Use, por favor! Ela teria gostado mais que usasse.
Acenou para mim e tornou a entrar. Olhei para o pacote em minhas mãos e voltei para casa ansioso, curioso sobre o que seria o pacote. Chegando em casa, abri o embruho e percebi que era um suéter. Ela tinha começado a tricotar as partes pouco depois de termos começado a conversar, eu reconhecia o ponto e as cores. Meus olhos ficaram marejados e cobri o rosto com o suéter.
No dia seguinte, Fiz questão de ir até a casa dela agradecer sua neta. Perguntei seu nome e ela me respondeu que era Carolina. Descobri que sua avó não tinha herdeiros vivos, logo a casa ficaria para ela mesma.
-Vai ser difícil continuar aqui sem ela, mas não tenho outro lugar pra ir.
Foi nesse momento que criei coragem para lhe falar sobre minha admiração. Levou um tempo para que nosso relacionamento mudasse de fato para algo mais romântico e profundo, mas não me arrependi de esperar. Ela se tornou a mãe de meus filhos. Hoje, nos sentamos do lado de fora de nossa casa, cada um em sua cadeira de balanço. Ela coloca um cesto do lado e tricota, enquanto eu leio o jornal. Todo fim de semana, r ecebemos a visita de nossos filhos e netos. E de tempos em tempos, visitamos o túmulo de Ana. Sempre me lembro com carinho daquela senhorinha que, tão gentilmente, dividiu seu tempo comigo, um rapaz que mal sabia o que queria da vida.
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